BRASIL DESMATA 20 MIL KM² POR ANO
Washington Novaes.
O Blog Boca Laarga recomenda.
Vale a pena assistir a entrevista do jornalista e ambientalista Washington Novaes, ao programa Milênio, da Globo News, exibida no dia 30 de abril. Novaes é um dos pioneiros na produção de jornalismo ambiental no país.
Principais destaques.
“O Brasil perde mais de 17% da energia que passa pelas linhas de transmissão. O Japão perde 1%”.
O Brasil, em 1985, tinha 1,5% do comércio mundial, hoje tem menos de 1,2%. As exportações cresceram, mas o país não controla o valor das matérias-primas.
O Brasil exporta commodities que hoje valem menos do que valiam na depressão econômica de 1930.
“Se você ocupar um quarto da área que é ocupada hoje pelo reservatório da hidrelétrica de Itaipu com painéis solares, você gera tanta energia quanto a hidrelétrica de Itaipu”.
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No próximo mês de Junho, quando o mundo desembarcar no Rio de Janeiro para discutir se o instinto de preservação dos homens pode prevalecer sobre a compulsão para a destruição, os olhares vão estar especialmente voltados para o anfitrião desta nova rodada. O Brasil é a grande nação dos trópicos que lidera o debate unificador da justiça social e da proteção ambiental, mas tem que domar as feras dentro de casa para reverter um Código Florestal polêmico que anistia o desmatamento e prejudica os pequenos agricultores. Apresenta metas ambiciosas para a redução de emissões de dióxido de carbono na atmosfera, mas não tem um projeto para enfrentar um de seus maiores pesadelos. Hoje existem 38 milhões de carros circulando nos grandes centros urbanos brasileiros. Em 2020 eles serão 70 milhões. Que estratégia de sustentabilidade o dono da casa pode defender efetivamente na Rio+20? É o que fomos buscar com o premiado jornalista Washington Novaes, um dos maiores especialistas em meio ambiente no país, na teoria e na prática. Washington vive em uma chácara em Goiânia, no coração do Brasil, campeã da resistência aos efeitos nocivos do tempo e do crescimento desordenado a sua volta. Foi aqui que ele nos falou dos grandes desafios que serão enfrentados nos próximos anos.
Elizabeth Carvalho — Washington, eu gostaria de começar pedindo a você que nosajudasse a entender um pouco melhor alguns conceitos e definições que permeiamo debate ambiental no mundo hoje. O primeiro deles é o conceito desustentabilidade, que é amplamente difundido, mas serve, na verdade, paradiferentes usos e diferentes interpretações, diferentes objetivos. Como é que vocêdefine o desenvolvimento sustentável?
Washington Novaes — Bom, o desenvolvimento sustentável começou com uma definição na década de 1980, dada por uma comissão que foi nomeada pela ONU, chefiada pela Gro Brundtland, que havia sido primeira-ministra do Noruega. [Essa comissão] definiu desenvolvimento sustentável como aquele capaz de atender as necessidades das atuais gerações sem comprometer os direitos das futuras gerações. Só que é bonito mas isso não resolve as questões concretas. Então como é que faz quando você tem quase um bilhão de pessoas que passam fome no mundo? Isso é desenvolvimento sustentável. Como é que você faz quando 40% da humanidade vive abaixo da linha da pobreza? Como é que você pensa em sustentabilidade se mais de 40% das pessoas no mundo não tem saneamento básico e assim por diante. Os países industrializados com menos de 20% da população mundial consomem 80% dos recursos do mundo. As três pessoas mais ricas do mundo juntas tem mais do que o produto bruto dos 40 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas. Três pessoas tem tanto quanto 40 países. Duzentas e cinquenta e poucas pessoas, cada uma delas com ativos superiores a um bilhão de dólares, juntas têm mais do que 40% da renda anual da humanidade. Desde a década de 1990 que o programa da ONU para o desenvolvimento, o PNUD, vem apontando isso. Se todos os países e todos os habitantes passassem a ter o nível de consumo de países como os Estados Unidos, a Europa ou o Japão, nós precisaríamos de mais dois planetas. E o fato é que nos vamos ter que mudar. Porque o que agora está na pauta, muitos economistas já começam a dizer isso, que não diziam antes, é que o modelo é insustentável também porque os recursos naturais são finitos. Nós já estamos consumindo 30% de recursos naturais além do que o planeta pode repor.
Elizabeth Carvalho — O que mudou realmente ao longo desses 20 anos de tantas conferencias, além da constatação de que nós estamos próximos do limite que a terra é capaz de suportar de dióxido de carbono na atmosfera?
Washington Novaes — Eu creio que de 1992 pra cá cresceu muito a consciência social e o conhecimento cientifico sobre essas coisas todas, mas na prática quase não se avançou. Então, a primeira grande conquista de 1992 foi a Convenção do Clima. Assinou-se uma Convenção do Clima por reconhecer que esse quadro já estava acontecendo e era muito perigoso. Levaram-se cinco anos para que em 1997, em Quioto, regulamentando a convenção do clima, estabelecer que os países industrializados deveriam diminuir em 5,2% as suas emissões. Só que eles não diminuíram. Então a Convenção do Clima não avançou. Assinou-se também em 1992 a Convenção Sobre a Diversidade Biológica, mas nós continuamos perdendo em alta velocidade. Os cientistas falam que já perdemos 25% das espécies conhecidas sem até saber exatamente para que elas servem, quanto elas servem, a sua função dentro da natureza. Então é o segundo fracasso prático. Também se assinou uma declaração sobre florestas em 1992 porque estávamos perdendo 170 mil quilômetros quadrados de floresta, por ano. Mas não se conseguiu fazer uma convenção, porque os interesses eram muito divergentes. E aprovou-se a Agenda 21, que era pra combater a pobreza, a miséria, as carências sociais no mundo e tal. E o principal instrumento era um artigo que dizia o seguinte: os países industrializados aumentarão a sua contribuição para os outros países enfrentarem esses problemas pra 0,70%. Com 120 bilhões de dólares por ano. Só que nesses 20 anos, diminuiu a contribuição dos países industrializados. De 0,36 pra 0,30. E muito poucos países aumentaram: a Suécia, a Noruega. Então o balanço da Rio 92 nesses 20 anos é um balanço melancólico. Tanto que agora na Rio+20 resolveram não fazer esse balanço. Mudaram os objetivos. Os objetivos agora são quais? A economia verde. Como implantar a economia verde e a gestão global da sustentabilidade. Quer dizer, não pensar especificamente no clima, na biodiversidade, nessas coisas, mas como é que se vai fazer pra incorporar em cada produto e em cada ação os recursos naturais, o valor dos recusos naturais, os custos que cada produto vai gerar? Quem é que vai pagar por essas coisas? É uma equação muito complicada. Desenvolvimento sustentável não é algo que se chegue assim num passo de mágica.
Elizabeth Carvalho — É preciso parar de crescer pra ter sustentabilidade?
Washington Novaes — É preciso que esse crescimento seja avaliado de outras formas. Quer dizer, não apenas um crescimento onde você consome recursos e com isso faz a economia aumentar. Há mais de 20 anos, a indústria automobilística dos Estados Unidos já sabia como produzir carros híbridos, quer dizer, carros que usam combustível apenas pra dar a partida e depois usam energia elétrica. Mas se recusou a fabricar esses carros híbridos, porque o lucro por veículo seria 15 vezes menor, porque tem que ser carros pequenos, que economizem tudo, enquanto nos Estados Unidos, o grande consumo é dessas supercaminhonetes com super consumo de combustível. Agora, para chegar a essas coisas você teria de começar a colocar preço nas coisas. Há uma supercaminhonete, então vamos ver os custos que ela gera. Seja em poluição do ar, seja em infraestrutura, seja em todas essas coisas, e aí você começa a conduzir pra um consumo menor e pra um consumo diferenciado. Isso em tudo.
Elizabeth Carvalho — O geógrafo David Harvey previu que a expansão do capitalismo vai se dar pelo viés da biotécnologia e das tecnologias ambientais. Aliás, elas já estão listadas em separado no mercado financeiro. Os Estados Unidos já patentearam mais de 50% das inovações tecnológicas que existem circulando atualmente, os chineses outro tanto. Ou seja, essa corrida pelas tecnologias de baixo carbono já começou. O senhor acha que é nessa corrida tecnológica que o Brasil deve investir nos próximos anos?
Washington Novaes — Nessa questão precisa primeiro dizer o seguinte: essas novas tecnologias, as biotecnologias, não resolvem o problema de acesso aos bens. Continua tudo a mesma coisa, continua essa desigualdade entre países e entre grupo sociais. Em relação ao Brasil, o que eu acho é que falta uma visão estratégica de si mesmo. Nós temos um território continental, com sol o ano inteiro. Podemos plantar e colher o ano inteiro diferentemente dos países que têm inverno gelado e assim por diante. Nós temos quase 13% da água superficial do planeta. Isso é um altíssimo privilégio, porque a água é um bem escasso no mundo, cada vez mais escasso. Nós temos de 15% a 20% da biodiversidade do mundo. É outra riqueza fantástica. O Thomas Lovejoy, o grande biólogo, costuma sempre citar esse número. Hoje só o valor de medicamentos comercializados a cada ano no mundo, que vem da biodiversidade vegetal, que vem de plantas, chega a US$ 250 bilhões. O Brasil não participa de nada disso. Não tem nenhum produto que ele patenteia e que vende no mercado como um medicamento que tenha valor. Nós temos também uma matriz energética que pode ser limpa e renovável. Nós temos hidroeletricidade, que tem um pouquinho de emissão, mas é muito menos do que essas outras formas. Nós temos as energias derivadas das biomassas, energia da cana, canola, da soja, do pinhão manso, de todas essas. Nós temos energia eólica, nós temos um litoral imenso com uma enorme possibilidade. Nós temos uma possibilidade gigantesca em matéria de energia solar. Há um estudo que mostra o seguinte: se você ocupar um quarto da área que é ocupada hoje pelo reservatório da hidrelétrica de Itaipu com painéis solares, você gera tanta energia quanto a hidrelétrica de Itaipu.
Elizabeth Carvalho — Mas é uma tecnologia muito mais cara ainda.
Washington Novaes — Depende dos custos que você contabilize, também. Você ainda tem energia de marés, energia geotérmica. Quer dizer, um país que tem tudo isso é um sonho. Principalmente um sonho de futuro. O Brasil hoje tem produtos, seja na área de commodities alimentares, seja na área de minério, que exporta a preços inferiores aos da época da grande depressão da década de 1930. Desde a década de 1990 também o mesmo PNUD vem dizendo o seguinte: os países industrializados transferem os custos sociais e ambientais da extração de recursos naturais e processamento para os países de onde eles importam. E também que os países industrializados dominam os mecanismos de mercado. Por exemplo, tem um cartel de seis empresas que domina de 60% a 70% do comércio mundial de alimentos. Ele é que diz quanto custa, quanto vale, não é o país que produz que diz isso. Além disso, esses produtos todos passam por um mercado financeiro. Por exemplo, há lotes da soja brasileira que antes de chegar ao mercado já passaram por 40 mãos diferentes. Antes mesmo de ser colhida, às vezes antes de ser plantada, porque tem um mercado financeiro em torno disso que vai ditar os preços. Com isso aí o Brasil exporta cada vez mais, a exportação brasileira aumenta, todo ano ela aumenta. Mas a participação do Brasil no bolo mundial não muda. O Brasil, em 1985, tinha 1,5% do comércio mundial, hoje tem menos de 1,2%, embora tenha multiplicado a sua exportação, porque ele não domina os preços. Quem domina os preços são os mercados compradores e os mercados financeiros.
Elizabeth Carvalho — Mas o Brasil de certa forma vem sinalizando ao longo dessa década para um tipo de projeto fundado em cima do tripé de conservação ambiental, justiça social e crescimento econômico, que são exatamente os princípios da Agenda 21 brasileira que você ajudou a elaborar. Esses princípios tem caminhado realmente juntos?
Washington Novaes — Bom, vamos começar por justiça social. A situação brasileira melhorou. Nós diminuímos bastante a miséria absoluta, o número de pessoas que passam fome, mas nós ainda temos quase 20 milhões de pessoas que passam fome no Brasil. As diferenças de renda no Brasil são brutais. O Brasil é um dos países com maior desigualdade de renda no mundo. Nessa questão ambiental, nós estamos desmatando ainda mais de 7 mil quilômetros quadrados por ano na Amazônia. Nós estamos desmatando mais de 7 mil quilômetros quadrados por ano no Cerrado, que é um terço da biodiversidade brasileira. O Cerrado já perdeu mais de 50% da sua vegetação. Continuamos desmatando a Caatinga, continuamos desmatando o Pantanal. O Brasil continua desmatando, se você somar todos os biomas, nós continuamos perto de 20 mil quilômetros quadrados por ano de desmatamento.
Elizabeth Carvalho — Qual é o modelo de desenvolvimento que o Brasil deve adotar? Me dá três pontos fundamentais que deveriam ser levados em consideração.
Washington Novaes — A inovação científica é um fator fundamental, mas não basta ter pesquisa científica de ponta. Precisa mudar a base da educação brasileira. A educação brasileira é muito frágil. Então como é que você pode ter uma ciência avançada com uma base tão precária. É preciso isso e é preciso investir no conhecimento da biodiversidade. Outra questão brasileira: por incrível que pareça, o Brasil perde mais de 17% da energia que passa pelas linhas de transmissão. Por má conservação, por má qualidade. O Japão perde 1%. Então, se investir nisso, o Brasil pode ganhar mais 10% — 30% mais 10% mais 10% dariam 50%. Então é preciso mudar as visões. É preciso ter uma visão mais moderna. Nós continuamos pensando como se estivéssemos ainda na década de 1950, na época do Juscelino, metas de crescimento gigantescas e essas coisas e tal. O desenvolvimentismo a qualquer preço. Continuamos pensando nesses mesmos termos. É precismo pensar em outros termos. E nesses outros termos, o Brasil tem um lugar privilegiado. O mundo terá que caminhar pra isso.
Elizabeth Carvalho — Washington, você é um pioneiro do jornalismo ambiental brasileiro. Está nessa estrada da sustentabilidade já faz muito tempo. Lá pelos anos 1980. Talvez até um pouco antes. Mas basicamente a partir de um momento que você realizou uma série de documentários premiadíssimo sobre o Xingu: Xingu, a Terra Mágica. E se impressionou muitíssimo com essa experiência, essa vivência sua com os índios do Xingu. Você pode descrever ela pra gente? Como ela mudou a tua percepção do mundo?
Washington Novaes — Na década de 1970 ainda, eu comecei a ficar muito impressionado com culturas indígenas e eu era ainda do Globo Repórter. E eu fiz vários documentários na Amazônia, alguns com roteiro do Thiago de Mello.
ElizabethCarvalho — Isso foi Amazonas, a Pátria da Água?
WashingtonNovaes — Amazonas, a Pátria da Água, As Crianças do Reino do Porantime assim por diante. E comecei a ter contato com índios e comecei a ficar muito impressionado com eles. Em 1984 eu resolvi fazer a série Xingu, a Terra Mágica. Passei três meses lá entre eles. Depois que a série estava sendo exibida, um dia encontrei no avião com o Darcy Ribeiro, o ex-ministro, que era antropólogo, e vivia por lá também. E o Darcy me disse que estava vendo a série, que estava gostando muito. E falou: “Só que agora tem uma coisa, agora você já sabe que nunca mais você vai ser a mesma pessoa. Você agora já sabe que existem outras maneiras de ver o mundo.” E pra resumir a verdade disso, o antropólogo francês, Pierre Clastre, que morreu muito moço, em um livro que se chama A sociedade contra o Estado, diz o seguinte: nós temos o hábito de olhar as sociedades indígenas não pelo que elas tem, mas pelo que elas não tem. Nós falamos: índio anda pelado, não tem roupa, índio não fábrica isso, índio não tem tal coisa, índio não tem usina hidrelétrica. E nós nos esquecemos de olhar as coisas fundamentais das sociedades indígenas, e a primeira delas é a não delegação do poder. Índio não delega poder pra ninguém. O chefe índio, pelo menos na força da cultura, o chefe não tem poder, ele não dá ordem pra ninguém. Se um índio dá ordem pra outro, o outro morre de ri, acha engraçadíssimo o outro vir dar ordem pra ele. O chefe é o que mais sabe, o que conhece melhor a história do povo, a cultura daquele povo, ele é o grande mediador de conflitos, mas ele não dá ordem pra ninguém. Um chefe índio não dá ordem. Então você imagina o que é o luxo de você nascer e morrer sem nunca receber ordem de ninguém. Primeiro fundamento. Segundo, enquanto vive ali como índio, na força daquela cultura, o índio não depende de ninguém pra nada, ele sabe fazer tudo o que ele precisa. Ele sabe fazer a sua casa, ele saber fazer a sua roça, os seus instrumentos de trabalho, sabe fazer tudo. Então, segundo luxo, não depende de ninguém, não recebe ordens de ninguém. Terceiro, a informação é aberta, ninguém se apropria da informação para transformar em poder político e econômico. O que um sabe, todos podem saber. E ninguém cobra nada de ninguém. Isso é o Pierre Clastres quem diz. Agora eu vou acrescentar: você vai ao Xingu, por exemplo, e vê que os índios tentam não sobrecarregar o ambiente em que eles vivem, o meio ambiente, como nós chamamos. Quando uma aldeia chega a 250, 300 pessoas, ela se subdivide. Vai uma parte pra cá, outra parte pra lá pra não criar uma pressão muito grande naquele lugar. As coisas dos índios, da culturas indígenas apontam em direção às utopias humanas de igualdade, de respeito, é isso que se vive nas culturas indígenas enquanto elas estão na sua força. Mas o que a gente faz. Nós temos uma política disfarçada, na verdade, de aculturação do índio, de acabar com a cultura dele e de fazê-lo viver com o branco. Nós não queremos aprender com ele, queremos que eles vivam como nós.
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